12 de dezembro de 2010

O sorriso da mulher

Quando eu olhei para seu rosto ela me sorriu em sexo.

Bom costume feminino, sorriem sem disfarçar, denunciam pelo sorriso, dizem mais sorrindo que sérias, algumas sorriem quando estão raivosas, outras de decepção, quando vencem ou quando perdem, perguntando ou respondendo, também existem as que sorriem de prazer, gozam sorrindo, ela era uma dessas. Quando estão com a cara fechada, não se aproxime, o coice é certo. Mas naquele dia ela sorria sexo.

Fui direto, sem conversa, sem cantada ou poesia, nem se quer uma cerveja. Adentramos uma sala de aula e fizemos sexo durante toda a greve de 1998. Três meses e onze dias. O último dia foi após a última assembléia, desta feita ela me roubou para um motel, campeche II, assim era chamada a suíte testemunha.

Entre lençóis, banheiras e cerca de três horas de conversa de corpo inteiro veio à confissão: Sou casada.

-E o marido? Disse eu.

Ela retrucou:

-Não gosta de sexo oral.

Pensei de imediato, esses homens, vivem queimando nosso filme, imagine um sujeito que não gosta de sexo oral, um sujeito que se recusa a utilizar o mais importante órgão sexual do ser humano, a língua. Você já se imaginou beijar sem a língua? Namorar sem a língua? Falar palavras que excitam, sem a língua? Sentir o gosto salgado do suar sem a língua?

Voltamos ao diálogo:

Quanto tempo de casada?

Dez anos.

-Por que não larga?

-Segurança.

-Quantos anos ele tem?

41

Pensei de imediato: O ditado do caminhão estava certo: Aquele que tem mais de 40 e nunca pegou um corno é porque nunca pegou ninguém. Voltemos:

Policial?

Advogado.

Criminal?

Tributarista.

Menos mal, pensei cá com meus botões, isso acontece com homens que priorizam os números as mulheres, e continuei:

Você não tem medo?

Estou em aula, acaba somente as 18 horas.

E se ele chegar e não te encontrar?

Foi porque me atrasei, estava em reunião do grupo de pesquisa.

Chega de conversa, e mais uma vez ela me sorriu em sexo.

Mulher de poucas palavras e muita ação.

Minha fragilidade ao ataque faz com que essas sobressaiam.

Nunca pediu um poema, nunca fez uma exigência, não negava pedidos e não me escrevia cartas. Número? só possuía o de matrícula 97.1 e mais alguma coisa que não lembro.

Não era minha primeira experiência com essa situação, mas com certeza, minha primeira experiência de libertação. Como nunca simpatizei com casamento e sempre muito fascinado por seres humanos ousados, deixei correr, seis, sete, quinze, dezoito encontros e perdi a conta de vista.

Os encontros discorreram-se até sua formatura no final de 2002.

De lá pra cá, nem um e-mail, nenhum telefonema, nenhum bilhete sequer.

Deixei de procurá-la e fui ao cinema, em cartaz “fale com ela”, o filme de Pedro Almadovar que assisti 5 vezes. No primeiro dia não vi o filme com a atenção devida, o cinema estava lotado e um casal ao meu lado não parava de discutir. Era ela e o marido, imagino que o tributarista. Fez que não me conheceu, saiu em disparada rumo ao café Matisse, eu dentro e ela fora. Depois se foi, sem uma só palavra, um só olhar, discreta e bela, séria como uma esposa.

Veio o último contato.

O garçom me trouxe um bilhete, um guardanapo, dobrado e sem nenhuma linha.

Ao abrir, somente batom, boca de batom, boca que sorria, sorria em sexo.



Texto e imagem: César Félix

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